No design de interiores, existe um elemento decorativo que considero absolutamente inegociável: pelo menos 1 parede com quadros. Não me refiro a uma composição genérica comprada em conjunto numa loja de decoração, mas a uma verdadeira galeria pessoal — uma curadoria visual que mistura memórias, estilos e histórias de forma harmoniosa e profundamente emotiva.
Ao longo de vinte quatro anos a desenvolver projectos para clientes exigentes no Porto, aprendi que as casas mais memoráveis não são necessariamente as mais perfeitas tecnicamente, mas as mais autênticas. E nada revela mais autenticidade do que uma parede cuidadosamente composta com quadros que contam quem somos.
Mais Que Decoração: Narrativa Visual
Quando entro numa casa pela primeira vez para iniciar um projeto de design de interiores, procuro sempre compreender a história dos seus habitantes. Quem são? De onde vêm? O que valorizam? E invariavelmente, uma das minhas recomendações passa por criar pelo menos uma parede galeria — um espaço onde a vida da família se possa expressar visualmente, sem filtros, sem preocupações excessivas com simetria perfeita ou coordenação cromática absoluta.
Esta abordagem contraria, deliberadamente, a tendência minimalista extrema que dominou o design de interiores na última década. Não tenho nada contra o minimalismo — quando bem executado, é magnífico. Mas uma casa não é um showroom. É um organismo vivo, que respira memórias e projecta identidades. E os quadros, quando organizados com sensibilidade e ousadia, transformam-se no coração pulsante desse organismo.
A Beleza da Mistura: Fotografias Antigas e Atuais
Uma das composições que mais aprecio envolve a combinação de fotografias antigas ao lado de imagens actuais. Há algo profundamente poético em ver o retrato sépia dos bisavós numa moldura clássica convivendo harmoniosamente com uma fotografia contemporânea dos netos, talvez numa moldura minimalista em metal ou madeira bem fina . Esta justaposição temporal cria camadas narrativas riquíssimas.
No design de interiores, ensino frequentemente os meus clientes a não terem receio desta mistura. A fotografia do casamento dos avós, com aquela composição formal típica dos anos 1950, não precisa de estar isolada numa parede nostálgica. Pode — e deve — dialogar com momentos actuais. Este diálogo entre gerações, entre épocas, entre técnicas fotográficas, confere profundidade emocional ao espaço que nenhum quadro decorativo comprado por catálogo conseguirá jamais alcançar.

Contraste Cromático: O Drama da Cor e do Monocromático
Outro recurso que utilizo abundantemente nas minhas composições de parede é o contraste entre pinturas coloridas e fotografias a preto e branco. À primeira vista, pode parecer uma combinação arriscada — e é precisamente aí que reside a sua força. O design de interiores contemporâneo beneficia enormemente desta ousadia controlada.
Imagine uma aquarela vibrante em tons de azul e amarelo, ao lado de uma fotografia documental a preto e branco, que por sua vez está próxima de uma pequena pintura abstracta em tons terrosos. Esta aparente cacofonia transforma-se em sinfonia quando existe um fio condutor — seja ele temático, dimensional ou compositivo. O contraste cromático cria tensão visual, e é essa tensão que mantém o olhar interessado, que convida à contemplação repetida.
Trabalho frequentemente com clientes que inicialmente se mostram receosos. “Mas não vai ficar demasiado carregado?” é uma pergunta que ouço com regularidade. A minha resposta é sempre a mesma: depende da execução. Cores e monocromático podem coexistir magnificamente quando existe intencionalidade. A fotografia a preto e branco funciona como elemento de pausa visual, permitindo que o olhar descanse entre explosões cromáticas. É ritmo, é respiração, é composição.
A Surpreendente Simplicidade do Monocromático
Curiosamente, algumas das paredes de quadros mais impactantes que já criei são inteiramente monocromáticas. Composições em tons de cinza, sépia ou preto e branco que surpreendem pela simplicidade aparente e pela sofisticação real. Nestas galerias, a atenção desloca-se da cor para outros elementos: textura, composição, enquadramento, tema.
No design de interiores, esta abordagem monocromática funciona particularmente bem em espaços onde já existe muita informação visual — talvez uma sala com mobiliário colorido, ou um ambiente com vista privilegiada que não deve ser competida. A parede de quadros monocromática não grita por atenção; sussurra elegantemente. E frequentemente, são os sussurros que mais nos marcam.
Não É Tarefa Simples: A Arte da Composição
Serei honesta: criar uma parede galeria verdadeiramente harmoniosa não é tarefa simples. Requer visão espacial, sensibilidade estética e, sobretudo, coragem. É preciso experimentar, ajustar, recuar e observar. É um processo orgânico que raramente funciona na primeira tentativa.
No meu trabalho de design de interiores, dedico horas a este processo. Começo frequentemente no chão, dispondo todos os quadros disponíveis e experimentando diferentes arranjos antes de fazer um único furo na parede. Fotografo as composições, observo-as digitalmente, peço opinião ao cliente. Às vezes, a solução surge rapidamente; outras vezes, demora dias até encontrarmos o equilíbrio perfeito.
Existem princípios orientadores: manter distâncias consistentes entre molduras, criar um eixo visual central mesmo em composições assimétricas, equilibrar pesos visuais. Mas as regras existem para serem conhecidas e, quando apropriado, subvertidas. É aí que a ousadia entra.
Transformar Paredes Comuns em Paredes Que Falam
Este é, sem margem para dúvidas, o meu desafio preferido no design de interiores: transformar paredes comuns em paredes que falam. Paredes que contam histórias, que provocam conversas, que revelam camadas de significado à medida que as conhecemos melhor.
Trabalho com uma cliente que tem uma parede galeria na sala de jantar onde cada quadro representa uma viagem significativa. Não são apenas fotografias turísticas — são momentos capturados que marcaram transformações pessoais. Aquela imagem do mercado em Marraquexe convive com uma pintura abstracta adquirida numa galeria em Berlim, que está ao lado de uma fotografia familiar tirada na Toscânia. Quando se janta naquela sala, não se está apenas a apreciar uma composição esteticamente agradável — está-se a habitar uma narrativa viva.
O Segredo: Ousadia, Mistura e Autenticidade
Se tivesse de resumir a filosofia por detrás destas composições, escolheria três palavras: ousadia, mistura e autenticidade. Ousadia para combinar o que aparentemente não combina. Mistura para criar riqueza visual e narrativa. Autenticidade para garantir que cada quadro tem significado genuíno.
No design de interiores que pratico, não existe espaço para composições fabricadas que existem apenas para preencher uma parede vazia. Cada elemento deve estar ali por uma razão — porque é belo, porque é significativo, porque provoca emoção, porque conta algo importante.
Incentivo sempre os meus clientes a serem curadores das suas próprias vidas. Aquela fotografia desfocada da avó pode não ser tecnicamente perfeita, mas se captura a sua essência, merece lugar de destaque. Aquela pintura que o filho fez aos oito anos pode conviver perfeitamente com uma gravura antiga herdada. A perfeição estéril é inimiga da autenticidade.
Paredes Vivas em Casas Vivas
Uma parede de quadros bem concebida nunca está verdadeiramente terminada. É um organismo vivo que evolui connosco. Adiciona-se uma fotografia de um momento recente, substitui-se uma peça que já não ressoa, reorganiza-se a composição quando mudamos um móvel. Este carácter evolutivo é precisamente o que a torna tão especial no contexto do design de interiores contemporâneo.
Nas minhas três décadas e meia de profissão, vi o mercado mudar radicalmente. Mas uma coisa permanece constante: as pessoas anseiam por casas que reflictam quem verdadeiramente são.
E uma parede cuidadosamente composta com quadros que misturam memórias, estilos e histórias é uma das formas mais poderosas de alcançar essa autenticidade. É ousadia aplicada, mistura intencional e autenticidade tangível — tudo numa única parede que, em vez de apenas ocupar espaço, conta uma vida inteira.
Conceição Lopes – Atelier de Design de Interiores e Projetos 3D | Porto